Conto Claraboia
Carregava no olhar o que não poderia arrastar com o corpo. A alma pesada já não tinha o aroma de Lima. Emergiu das dunas de terra e percorreu um terreno vasto e solitário à procura do local do encontro. À sua volta, um amontoado de pedras, num entrelaçar de teias e lápides. Era noite, sem lua ou brilho.
Cabisbaixa, seguia arrastando as folhas secas do chão, agora mais leve de
culpa e medo. Há décadas, o tempo não existe, apenas um entretempo.
Os pássaros voam descompassadamente, de um lado para o outro.
Deitada, Joana é coberta por um lençol de areia, feito colcha de retalhos, que ela leva até os olhos, como costumava fazer com os lençóis de linho branco em seu antigo leito. Levanta-se com lentidão, como se tivesse criado raízes deixando pedaços de terra e lama para trás. Um rosto sem visco, incapaz de enxergar o caminho, rasteja lentamente, absorto.
Há um precipício repleto de pássaros. Pedro! Pedro! O espaço parece estrondar. Com o rosto agora mais figurado, ela o chama, assim telepaticamente.
Nesse penar, Joana procura amigos e pessoas queridas, com o cuidado de quem receia julgamentos. Joana passa entre as pessoas sem reconhecê-las Sensações de vazio e perda, estranhamento. Avista sua comadre, que diz: Peste.
Joana se assusta, mas não a vê, e prossegue, sem ar, procurando prumo. Esbarra em alguém, mas a percepção do estranhamento chega atrasada. Era Antenor.
pensa Joana durante o trajeto.
Vê uma confusão e hesita em ajudar, coisa que antes nunca havia
acontecido. Sussurra com olhar de desdém, encolhendo os bros. Vê o filho
em uma cama, enfermo. Resolve inferir. Pede ao Senhor pelo filho. a dor dele é sua. O filho a vê e sorri.
Teias de aranha, pedras escuras, os pássaros sobrevoam feito agouro.
Joana percebe que todos estão desaparecendo diante de uma luz que vem chegando. Pedro está do outro lado, mas a luz de Joana a impede de vê-lo.
Pesado, em tons de cinza e anil, o ar traz um efeito de céu, remota visão
de pássaros, que agora partem.
Fundem-se o lugar e o mundo. Joana se aproxima, tudo é luz. Já não arrasta o corpo, quase voa. Os olhos cegos e ainda pesados de areia ganham cor e ela se torna imensa, em forma e luz.